Por Fr. Dysmas de Lassus, Prior Geral da Ordem dos Cartuxos.

O Papa Francisco, tem levado a Igreja a uma séria reflexão e tomada de atitudes coerentes de denúncia e prevenção de abusos. Este livro trata exatamente dos perigos de certos tipos de comportamentos na vida consagrada que podem ferir a dignidade de seus membros, através de suas práticas espirituais ou da forma do governo das comunidades.

Com sua experiência, enraizado na tradição monástica e numa teologia sólida, o autor, Fr. Dysmas de Lassus, traz uma proposta positiva, como um caminho de prevenção e de cura, baseando-se num equilíbrio que permite o crescimento pessoal e comunitário.

Ao longo do livro encontramos diversos temas sobre os riscos existentes na vida consagrada; os instrumentos de luta contra as derivas sectárias; Carisma e Instituição; a vida comunitária e a relação com a autoridade vista como serviço e jamais como “poder”; riscos de uma falsa obediência e de uma autoridade mal exercida; a relação dos membros com o mundo exterior; o verdadeiro sentido do voto de obediência; o cuidado de não conduzir os membros por uma espiritualidade sem equilíbrio numa radicalidade exagerada; a vigilância entre equilíbrio e humildade; o acompanhamento espiritual; discernimento e outros assuntos que podem ajudar ou ferir os membros da vida consagrada.

Ao mesmo tempo em que o autor coloca em evidência seus riscos, ele apresenta sua beleza e os caminhos para evitar qualquer tipo de deriva, deixando-se conduzir pelas virtudes da humildade e da verdade.

Uma obra longa porém repleta de testemunhos, com um estilo claro, forte e motivador. O livro é vivamente recomendado a qualquer pessoa que tenha uma responsabilidade numa comunidade de vida consagrada, que exerce um serviço de autoridade na Igreja e para aqueles que querem crescer no verdadeiro sentido da obediência.

INTRODUÇÃO

Concluindo seu discurso sobre as quinze doenças que afligem a Igreja, o Papa Francisco escreveu:
Li uma vez que os sacerdotes são como os aviões: são notícia apenas quando caem, mas há tantos que voam. Muitos criticam e poucos rezam por eles. É uma frase simpática, mas também muito verdadeira, porque esboça a importância e a delicadeza do nosso serviço sacerdotal e o grande mal que um só sacerdote que «cai» pode causar a todo o corpo da Igreja[1].

Poderíamos aplicar essas palavras à vida consagrada. Toda a vida social — família, escola, empresa, comunidade, país etc. — conhece os sucessos e os fracassos. Porém, os fracassos das comunidades religiosas levam algo de particularmente doloroso, porque poderíamos aplicar-lhes o provérbio: Corruptio optimi péssima[2].

Essas comunidades deveriam ajudar seus membros a encontrarem a liberdade interior na dádiva, no amor, no serviço, na plenitude do Espírito; como é possível que, às vezes, aconteça o contrário, acarretando a morte, em vez da vida? Fazer esta pergunta não tem nada de iconoclasta e não visa prejudicar a vida consagrada, mas, pelo contrário, protegê-la dos riscos que a ameaçam.

Os acidentes de avião impressionam pela magnitude dos danos. No entanto, há tempo o avião é um meio de transporte significativamente mais seguro do que o carro. Viajar 1.000 quilômetros de carro apresenta 45 vezes mais riscos de morte do que percorrê-los de avião. E, mesmo que os 346 mortos na queda do DC-10 em Ermenonville chamem mais a atenção, não podemos esquecer os 13.000 mortos nas estradas no mesmo ano. Ainda assim, todos continuam dirigindo. A aviação conquistou essa segurança através da persistência: cada grande acidente resulta em uma investigação detalhada e dispendiosa para determinar, com a maior precisão possível, a causa exata do ocorrido. A partir disso, medidas são tomadas para evitar futuras ocorrências similares.

Poderíamos dizer o mesmo, quanto aos acidentes da vida consagrada. As páginas seguintes mostrarão que estes nada mais são do que acidentes comuns da vida em sociedade, mas chocam muito mais, devido à profissão de vida evangélica, que acentua a contradição e pode dar-lhes maior amplitude. Assim como na aviação, a vida consagrada representa um caso extremo. Os religiosos buscam ir até os limites da doação, criando um risco ainda maior de ultrapassá-los. Daí a necessidade de estudar os acidentes ocorridos, para implementar as medidas preventivas adequadas. Será que nos esforçamos o suficiente para estudar as causas dos fracassos e derivas da vida consagrada? Até então, havia pouca literatura sobre este assunto, provavelmente, porque a ideia de que a vida consagrada poderia apresentar riscos, na verdade, não estava presente em nossos espíritos. Impulsionada pela questão dos abusos sexuais, a discussão sobre os abusos na vida religiosa emergiu. Em 2016 e 2017, as assembleias da Conferência Monástica da França sobre este assunto, representaram, sem dúvida, uma grande mudança. A partir de então, este assunto pôde ser abordado abertamente. A presente obra pretende contribuir com o trabalho de análise e de prevenção, colocando-se o mais próximo possível da vida comunitária, porque um risco claramente identificado apresenta muito menos perigos do que um risco escondido. Um exemplo trágico das consequências da negligência nessa área ajudará a entender a importância do tema.

[1] Discurso do Papa Francisco, quando da apresentação dos votos de Natal, na Cúria Romana, na segunda-feira, 22 de dezembro de 2014, último parágrafo.[2] A corrupção do que há de melhor é a pior. Ou seja: um grande bem, se corrompido, torna-se um grande mal! Uma pessoa possuindo grandes qualidades será capaz de fazer muito bem. Mas, se ela se corromper, causará um mal tão grave, assim como fizera o bem.

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